domingo, 25 de novembro de 2012


O DUELO

Durante toda série, até o momento, vemos uma queda de braço entre duas forças: o masculino e o feminino. Mas essa queda de braço não se restringe a uma questão de gênero apenas, mas a estes elementos apresentados como arquétipos de poder. Um poder fálico branco estabelecido, que dita as regras pela força, pelo capital, pelas leis, pelo olhar vertical, hierárquico; e um poder feminino negro excluído, que se impõe pela sua herança ancestral, pela sua religiosidade, cultura, pelo olhar plural e agregador. Esses dois poderes que abarcam em sua constituição elementos de gêneros opostos como no caso do masculino branco que inclui a patroa Silvia (episódio I) e a patroa amiga da patroa da Vera (episódio  II) e do feminino negro que inclui os homens da casa de Mãe Bia (Aloísyo, Moacir, Lorival e Lila), esses poderes se apresentam em suas diferentes facetas de opressão e resistência durante toda a série. Mas aqui neste episódio entra um outro elemento: o masculino negro.
Vejo uma diferença entre esses dois arquétipos, o masculino branco e o negro. O branco se manifesta pela força de quem detém o poder e por isso determina o que é falso ou verdadeiro; como as coisas devem ser e que lugar devem ocupar. O negro é oriundo da mesma energia racional e imperativa, porém é a face oprimida deste poder por ser negro e visto como desprivilegiado. Assim como acontece com o feminismo branco ocidental que não abarca as questões do feminismo negro e suas particularidades oriundas de conceitos históricos muito bem arraigados.
Quando o episódio abre com Cleiton duelando numa referência quase velho oeste com Bacana e sua moto, ele não esta duelando só com um rival masculino que tenta tomar de assalto sua amada. Ele esta duelando com tudo o que este personagem, o Bacana, representa como figura dominante (seja pela beleza apolínea, seja pelo poder social, pelo poder financeiro, pela certeza de que pode tudo pela impunidade que lhe protege, enfim). E ao derrubá-lo, ao vencê-lo ele rompe com as amarras, arrebentando seus grilhões contemporâneos com uma porrada certeira de sua arma de ferro “rudimentar” contra o exemplar bem acabado e muito mais poderoso de seu rival (a pistola). O bem e o mal, aqui inclusive com sua estética ocidentalizada invertida, se confrontando para além das fronteiras do território limite, o posto. Neste duelo o masculino negro sai como vitorioso.
No entanto, diferente dos homens nascidos e criados dentro da força desse matriarcado representado pela família de Madureira que não se perdeu para as determinações do mundo branco, este exemplar do masculino negro foi forjado em um lar destruído pelas mazelas sociais de um mundo que sabe colocar “cada um no seu lugar”. Ele não tem essa referência de força, de raiz, de saber de onde vem para ter certeza de pra onde vai. Ele não tem a auto estima alimentada pela força de sua história. Seu passado é carregado de referências negativas que encontram eco num coração vazio de memória. Este menino/homem precisa amadurecer, porém seu amadurecimento é na direção deste exemplo de homem ocidental dominante. Que quando vitorioso tem o mundo a seus pés e a seu dispor. Ele é forjado sob as regras de um mundo que diz que o príncipe herói, por exemplo, passa a ter a princesa mulher como sua eterna serva fiel cheia de gratidão e subserviência por ter-lhe salvo a vida e lhe dado a graça do seu amor.
Mas essa nossa heroína, princesa/mulher é uma princesa nada boba que permitiu que seu príncipe a salvasse porque precisava desta força aliada para se libertar, mas ela se vê e se coloca em pé de igualdade o tempo todo, negociando o seu ceder até o limite da sua autonomia sem nunca ultrapassá-lo. A certeza do seu poder e força, que pela mulher branca ocidental é tão exaltado e a duras penas conquistado pelo movimento feminista branco, já é intrínseco na mulher negra (brasileira), guardadas as exceções é claro, que samba, sangra e transforma levando a  vida por um fio, lutando por liberdade nas mais variadas classes sociais deste país. Umas agem com esta autonomia por clara consciência e outras por puro instinto. Mas esta força autônoma está ali. E sabemos disso. Nossas princesas são guerreiras não frágeis mocinhas delicadas, apesar dessa imagem da mocinha frágil do mundo ocidental também estar sendo quebrada aos poucos. Porém, a visão de Cleiton é forjada pela supremacia do masculino branco que tudo pode. Quando ele chega à casa feliz contando pra mãe seu feito heróico, não vemos apenas a alegria de um menino que se enxerga homem pela primeira vez, mas a força do masculino se fazendo presente como dominador. “Eu salvei ela!!” . Brada nosso torto herói por conta de sua construção. Este herói que sempre foi oprimido e agora, por ter rompido com suas amarras, quer se tornar opressor ao invés de querer acabar com a opressão. E como tal herói quer tudo o que o guerreiro vitorioso tem o “direito” de ter, inclusive o corpo do objeto de seu desejo. Nesse momento esses dois poderes (negro e branco) oriundos desta mesma energia masculina se igualam e no caso do Cleiton se torna ainda mais opressor porque carrega em si o desejo da forra. Seu querer é carregado da intensidade daquele que nunca comeu mel e quando come se lambuza. Por isso que no momento em que se vê encurralada Conceição enxerga em Cleiton o mesmo algoz que identificou em Cássio. E o trata da mesma maneira. Por isso também que sua decepção com seu amor é maior “Nunca pensei que eu ia ter que fugir de ocê tamém!”. E Cleiton pára diante do universo matriarcal e equilibrado da casa de Mãe Bia. O pacto foi rompido. Ele tentou dominar a força subjetiva que a tudo abarca e acolhe e se sobrepor a esta. Só que neste lar o que reina é o amor que a tudo equilibra. E para o masculino conseguir se impor neste lugar é preciso ter a coragem dos humildes. Porque a vida precisa dos dois lados (juntos em pé de igualdade) para poder seguir.

“O correr da vida, fia, embrulha tudo. A vida é assim! Esquenta, esfria, aperta, e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem!”

referente a  "Grande Sertão Veredas" de Guimarães Rosa


4 comentários:

Ivan Karu disse...

Infelizmente nosso heroi é muito imaturo e acabou se decidindo agir em desacordo ao que foi acertado nas entrelinhas do pacto do casal... sua baixa estima e todos os processos pelos quais passou em sua vida, a morte de seu irmão, o problema de sua mãe, e o abandono do seu pai... a recusa inicial de sua amada, bem tudo serviu de combustível para decisão errada...
Bem, mas isto é muito mais comum que possamos imaginar... e a juventude afro brasileira costuma não estar muito antenada... o machismo impera muitas da vzs e as tragédias são consequências. O contexto transcende o conflito étnico e se constrói nos embates de gêneros onde o masculino tenta e muitas vezes consegue se sobrepor ao feminino, mas a fraqueza aparente do aliado em outrora se transforma em força de oprimido que luta e resiste ao seu opressor, toda memória de dor da da agressão de gênero e raça sofrida antes vem à tona e a princesa ingênua se transforma novamente na guerreira indomável de capacidade imponderável... Servindo de exemplo para aqueles que se acham no fundo do poço, encontrem seu chivunk (força interior)... Axé a todos!

Bom trabalho e "merda" a todos!

Anônimo disse...

exualidade das mulheres negras de Subúrbia
Por Cidinha da Silva

É desesperador assistir à sexualidade aviltada de Conceição, em Subúrbia: na FEBEM, na casa da patroa, pelo patrão, no emprego do posto de gasolina, pelo motoqueiro-juiz, no motel barato, pelo namorado. Aliás, ainda não assisti ao 4º capítulo e torço para que Conceição tenha mandado o Cleiton pastar. Trata-se de um estúpido que tentou estuprá-la como os homens anteriores, com os quais ela não tinha qualquer relação afetiva. Bom que, antes das telespectadoras, os autores demonstraram esse entendimento.

Tudo é alegoria, mas vamos combinar que essa menina precisa fazer o Orixá. Está na cara que o caso dela é de assentar o Orixá na cabeça. Obviamente, não é o Orixá, o causador dos problemas vividos por ela, mas será ele, fortalecido, alimentado, cuidado, que trará equilíbrio para a vida de Conceição.

Além da Conceição, de Érika Janusa, a Vera, de Dani Ornellas, me chama a atenção. Tanta beleza e exuberância aquela mulher esconde na leitura cega da bíblia e na freqüência aos cultos evangélicos. Quando o funk come em casa, ela chega a transpirar, a sentir calores, porque algo dentro dela grita com vontade de se entregar ao balanço da música como nos velhos tempos. Também me intriga a relação entre Vera e Cleiton, parece haver um segredo escondido ali.

A delicadeza de Conceição para fazer valer a própria vontade é admirável. A situação do capítulo III é emblemática. Cleiton tenta dar um dinheirinho à Conceição para custear sua saída com os pais, justamente no dia em que vão registrá-la como filha. No dia de seu novo nascimento, o namorado intenta comprar a liberdade da menina, como os homens fazem, desde muito tempo. Cleiton deve ter aprendido com os mais velhos, nos bares, no trabalho. Eles partem do princípio de que as mulheres devem ser compradas cotidianamente com pequenos agrados, inclusive dinheiro, coisa importante para demarcar terreno como dono-provedor. O caminho fica pavimentado para a cobrança a ser paga com favores e caprichos sexuais. Conceição, mesmo tendo pouca experiência em relacionamentos afetivo-sexuais rejeita o dinheiro de pronto e deseja conseguir os próprios recursos, oriundos do trabalho.

A sexualidade de Conceição não é vivida no campo do prazer, é, no máximo, um prêmio para ser entregue ao homem amado. Depois que Cleiton a salvou do motoqueiro-juiz, ela confessa à santinha que pensa em fazer amor com ele. Conceição dança o funk sensualmente, apenas isso. O sexo, o ato sexual, são coisas muito distantes dela. Estão na cabeça dos caras, sequer na cabeça das outras meninas que disputam com ela o lugar de serem olhadas, desejadas, alçadas ao posto de rainhas.

Lembro-me do final dos anos 90, início dos 2000, quando muitas meninas eram estupradas de madrugada ou de manhã, depois dos bailes de pagode, em Salvador. Elas dançavam sensualmente com e para os homens, a noite toda, e, caso seguissem a própria vontade, parariam por ali. Os machos indômitos, entretanto, alegavam que elas os tinham excitado a noite inteira e pela manhã, não tinha escapatória, teriam que saciar as necessidades fisiológicas deles. E os estupros aconteciam em becos, na capota de carros, nas curvas dos bailes, dentro dos carros dos mais aquinhoados.

A sexualidade de Conceição representa, em larga medida, o que é vivido por meninas e mulheres negras, às quais tem sido negado o direito de apropriação do corpo.

Cidinha da silva

Anônimo disse...


De tudo que já li a respeito deste seriado, o que mais se encaixa no que eu penso, é o texto abaixo: Coincidentemente, após ler o "Mapa da Violência 2012", onde informa que a taxa de homicídios de negros cresce 5,6% em oito anos, enquanto a de brancos cai 24,8%, venho assistir a televisão e me deparo com esse programa "Subúrbia".

No Programa fala em vingar mortes de pessoas que foram assassinadas, cenas de tiros, brigas e mais apologia ao crime.
Será que estão querendo naturalizar o genocídio da juventude negra??? O programa anterior, foi "A Grande Família", que é composta por pessoas brancas e que o chefe da família é uma pessoa "honestíssima", uma reserva moral da sociedade. Qual a finalidade de "subúrbia"? Entretenimento? Ratificar a imagem de que nas favelas quem não é criminoso é cúmplice? Que no Brasil o criminoso é negro? Em que esse programa contribui para o engrandecimento da sociedade brasileira???

Geisa Leite Mendes

Anônimo disse...

Subúrbia estou vendo e já gostei do final, Cleiton vivo com Conceição. Não posso negar que o diferencial desta serie, de todos os estereótipos, retratados na televisão em relação ao negro, que o fato de ter uma família negra, unida, um amor de verdade pra mim já valeu muito apena, fora meus amigos em cena, esta oportunidade de mostrar a família preta, que existe sim atores e atrizes qualificados, apesar de ter muitos, que esta tendo a primeira vivencia com a arte e já esta mandando muito bem, digo-lhes que tem artistas negros que estudam também que tem formação, só pra não ficar na idéia que todo artista negro precisa buscar na rua e que somos tão miseráveis que não conseguimos nos qualificar. Tem o nós do morro um ótimo lugar para estudar artes, etc. muito bom. Digo isso por que hoje mesmo uma senhora me perguntou, por os negros não vão se qualificar, a maioria dos artistas negros são pessoas que nunca atuaram, enfim! Para meus amigos e amigas militantes que deixaram de ver se questionando antes do tempo e de ver todas as cenas. Digo que a vos que jogou nossa luta por terra, por que ignorar nossos profissionais e esta oportunidade, dos nossos profissionais artistas, enquanto lutamos para ter negros na TV e só sabemos criticar e reclamar, que tudo é uma pena e a serie é muito bonita com uma linda historia de amor.
É claro que espero um espelho que leve nosso povo para a faculdade, bons empregos, menos armas, mais lutas, enfim. Valeu muito apena ver como nosso povo é lindo junto, ao contrario do que a sociedade fala que juntos somos um bando para fazer arrastão, ter tem é claro e foi construído pelo colonizador, mas tem muitas outras coisas e historias. Nosso povo preto casa porra! Lindos, gente, estou escrevendo e assistindo, sou dessas kkkk. Nossos passos vêm de longe. Bjs e parabéns subúrbia. Seja bem vinda!
Flavia Souza.